Quem sou eu?
Sérgio Augusto Sardi (Professor
de Filosofia da PUCRS)
O olhar nos
fundos dos próprios olhos em um espelho pode causar vertigens. Através dos
olhos, e além deles, a imagem aponta para algo imenso e invisível. E, talvez
possamos sentir que a nossa presença no mundo é a fonte de uma imensa
interrogação.
Afinal, quem sou
eu mesmo???
As palavras
vibram, são ditas com intensidade. Ora, não são apenas palavras. Ali, diante de
nós mesmos, não há mais como esconder: somos o próprio mistério. Em cada um de
nós a existência se apresenta como um mistério. Um mistério vivo: eu mesmo,
você. Singulares e belos são os momentos em que o silêncio nos interroga e faz
pensar. Repentinamente, abre-se então uma direção a seguir, e inicia-se uma
aventura. A aventura de ser eu. A aventura de ser você mesmo, único.
Caminho de volta
Lembremos disto
com carinho: cada um de nós é único. Sentir-se único é algo imenso. E faz
sentido saber que, sendo assim, cada um de nós representa uma possibilidade
única da própria humanidade. Mais uma vez, não apenas palavras: é preciso fazer
o caminho de volta para a minha vida, para a sua vida, para o viver de cada um,
para se saber único.Pois o viver é isto que, por mais que possamos falar a
respeito, permanece não dito.
A vida é sempre
mais, infinitamente mais que tudo que possamos dizer a seu respeito. Nós mesmos
somos assim. E é este encontro com o silêncio que nos conduz além. Pois ao
encontrar o limite do dizer, e ao enfrentar este limite por tocá-lo bem de
perto, talvez seja preciso inverter a direção do pensar: em vez de ir de
palavras já prontas para dizer a vida, em vez de reduzir o mundo às palavras já
dadas, voltamos ao lugar onde a significação da palavra nasce, no qual tudo é
novidade.
E cada vez que
nos olharmos em um espelho, bem no fundo de nossos olhos, talvez possamos nos
ver como uma incessante novidade. Cada momento da vida é também uma novidade.
Pode ser, então,
que eu não seja simplesmente eu, e que você não seja simplesmente você. Mas que
eu esteja me fazendo, e que você esteja se fazendo. E que sejamos também a
força de nos fazermos, de nos inventarmos, de inventarmos sentidos às coisas e
à vida, em nossa própria diferença de um modo único. Deve tratar-se de um ato
de amor.
Quando amamos
alguém, esta pessoa se parece única para nós, ela se diferencia de todas as
outras. Deve ser assim com nós mesmos, ao encontrar e criar e amar aquilo que
nos faz únicos. Trata-se de amar a nossa própria diferença, a nossa própria
loucura de sair do padrão para poder dar a si mesmo um presente: viver com
alegria, aumentando-se em suas potências, e vislumbrar uma direção para seguir.
Saber escolher:
A alegria é um
modo de olhar para a vida e para si mesmo diante da vida, por desejá-la tão
intensamente a ponto de nos lançarmos na conquista de nós mesmos. Para nos
fazermos, para nos habilitarmos a sentir o sentido da vida.... Trata-se da
coragem de dizer sim para cada dia que se inicia, para cada momento. De sentir
o infinito valor do tempo que passa e alcançar a possibilidade de ver a beleza
e o bem de existir. A enorme beleza e o bem de simplesmente existir. A enorme
beleza e o bem de simplesmente existir. Mas este não é o caminho mais fácil, e
pode requerer um enfrentamento interior. Mas é ao nos enfrentarmos, é ao
ultrapassarmos nossos próprios limites que nos reconhecemos, que sabemos do que
somos capazes, que nos fazemos.
Mas não nos
fazemos sós. Em nós habitam aqueles que amamos. Eles talvez possam ser
encontrados em algum gesto, em algum prazer que aprendemos ou desaprendemos
(pois é preciso aprender o prazer, e também desaprender, pois para podermos nos
fazer é preciso aprender a discernir quais os prazeres que nos convém, quais os
prazeres que fazem sentido em nossas vidas). Cada um de nós é habitado por suas
relações amorosas. Somo feitos de ligações. E, cada um de nós também habita as ligações
amorosas daqueles que nos amam ou que nos amaram.
Cada um é único,
e também uma multidão. E este único talvez seja o modo como esta multidão vai
se fazendo você mesmo. Onde o outro passa a ser você mesmo. E colocar-se no
lugar do outro reverbera no encontro do outro em você.
Sendo assim, a
pergunta quem sou eu? Transforma-se nessas outras: Quem eu me fiz, quem eu
estou me fazendo? Quem eu estou escolhendo ser? Pois em cada escolha, não
escolhemos apenas o que vamos fazer ou com quem vamos nos relacionar, mas
escolhemos quem vamos ser.
Questões para debate:
1. Por
que é importante perguntar-se: quem sou eu?
2. Como
estou me fazendo? Que escolhas estou fazendo para a minha vida?
3. Pesquisar
sobre o contexto em que o filósofo Sócrates disse: “Conhece-te a ti mesmo”.
4. Analisar
a frase de Heráclito de Éfeso: “Ninguém entra no mesmo rio uma segunda vez,
pois quando isto acontece, já não é o mesmo. Assim como as águas já serão
outras”...

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